28 de março de 2017

Proteção Climática através de uma Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos

Climate Protection through Sustainable Waste Management




RESUMO
Em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi editada no Brasil, com base em princípios sobre soluções sustentáveis para problemas associados à gestão de resíduos, preservação de recursos e do clima. Desta forma, a PNRS criou uma agenda positiva, como incentivos para a adaptação de aterros a plantas de energia elétrica, fechamento e remediação de lixões, promoção de valorização de resíduos recicláveis e inclusão social. As propostas enfrentam a realidade brasileira e incluem discussões sobre estudos de viabilidade econômica e a falta de conhecimento para a implementação de soluções sustentáveis. Estes entraves não decorrem de menor interesse, mas sim pela condição pioneira do mercado, sem grandes exemplos para um intercâmbio de experiências. Além disso, a importância da gestão de resíduos para as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e a disponibilidade de medidas de proteção climática são praticamente desconhecidas. Com base nessa necessidade, o proposto projeto da Iniciativa Internacional sobre o Clima (IKI, em alemão: International Climate Initiative) despertou muita atenção no setor, promovendo a formação de parcerias estratégicas e multidisciplinares com o objetivo de democratização de dados, desenvolvimento de projetos conjuntos para a minimização de erros e otimização de acordos em favor de projetos consistentes. Os resultados ainda são modestos, mas incentivam uma abordagem inovadora baseada em uma consolidação de mercado com novas e grandes oportunidades no Brasil.
Palavras-chave: Capacidade técnica. Mudanças climáticas. Transferência de know-how. Gestão de resíduos sólidos.

ABSTRACT
In 2010, the National Solid Waste Policy (PNRS) of Brazil was issued, which is based on principles concerning sustainable solutions for problems associated with waste management, resources preservation and climate protection. Therefore, the PNRS creates a positive agenda for the encouragement of adaptation of landfills as electric power plants; closing and remediating wild dumps and promoting waste valorization, recycling and social inclusion. All these new proposals should face the Brazilian reality that goes from economic feasibility discussion over the lack of knowledge to implement sustainable solutions. This fact is not due to lower market interest in the subject, but rather due to the pioneering condition, with no large-scale examples that give opportunity for experiences’ exchange. Furthermore, the importance of waste management for greenhouse gas (GHG) emissions and the availability of climate protection measures are hardly known. Based on this need, the proposed international climate initiative (IKI) project aroused a lot of attention in the market, resulting in the formation of strategic and multidisciplinary partnerships for the purpose of democratization of data as well as the development of joint projects that minimized errors, and optimizing the arrangements in favor of consistent projects. The results are still modest but encourage an innovative approach based on integration of consolidated market with new and great opportunities in Brazil.
Keywords: Capacity building. Climate change. Know-how transfer. Solid waste management.

1 INTRODUÇÃO

A gestão de resíduos modificou-se brutalmente nos últimos anos, tornando-se o ícone do desenvolvimento sustentável e contribuindo, dessa forma, para a proteção ambiental. Através da reciclagem dos materiais e da recuperação energética, a gestão de resíduos garante, também, a proteção do clima e a preservação dos recursos naturais. Neste contexto, a PNRS promove em todo o país a introdução de coleta seletiva e logística reversa, reciclagem de resíduos sólidos domiciliares, compostagem de resíduos orgânicos, e geração de energia renovável através de biomassa e biogás antes da disposição final. A introdução destas medidas permite um novo sistema de gestão de resíduos, particularmente em relação à implementação de novas tecnologias de recuperação de resíduos, propondo uma série de novas atividades a serem implementadas a curto e médio prazo conforme estabelecido pela lei. Embora a responsabilidade dos serviços públicos de limpeza seja municipal, a regulação nacional fortalece a sociedade e o setor privado na exigência de uma nova maneira de lidar com o assunto (Lei nº 12.305/2010). Essas mudanças representam desafios consideráveis devido à experiência limitada disponível para essas tecnologias e sua racionalização no mercado brasileiro, o que resulta em desconfiança na tomada de decisão em todos os níveis (federal, estadual e municipal), assim como outras partes interessadas como agências de financiamento e de licenciamento ambiental.

Apesar de a proteção ambiental ter sido incluída na regulamentação brasileira há muito tempo, o tema “proteção do clima” e suas derivações é abordado ainda de forma singela. Por este motivo, não existe uma base de cálculo específica de emissões de GEE no Brasil e a influência de diferentes setores na matriz de geração de emissões de GEE não é conhecida corretamente. Portanto, a importância da gestão de resíduos, o potencial e a disponibilidade de medidas de proteção climática dificilmente podem ser determinadas.

Desta forma, o projeto IKI se dispõe a demonstrar e quantificar o potencial da gestão de resíduos para a mitigação de emissões de GEE através de projeto de cooperação alemã-brasileira que promove a proteção climática através da introdução de medidas que incentivam a gestão sustentável dos resíduos.

2 MUDANÇAS CLIMÁTICAS E GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A gestão de resíduos representa um alto potencial de mitigação e redução de emissões de GEE. Durante o período entre 1990-2012, 321 milhões de toneladas de CO2eq (de 1,247 a 926 milhões de toneladas de CO2eq.) foram reduzidas na Alemanha. Medidas da gestão de resíduos sólidos contribuíram com aproximadamente 55 milhões de toneladas de CO2eq na respectiva redução (ÖKO-INSTITUT AND IFEU, 2010; FEDERAL ENVIRONMENT AGENCY, 2016).

Estudos recentes demonstraram um potencial de mitigação total de emissões de GEE de aproximadamente 42 milhões de toneladas de CO2eq a partir de aterros brasileiros. Através de medidas de reciclagem e a relacionada economia de energia, benefícios de redução da ordem de 15 milhões de toneladas de CO2eq são possíveis, bem como adicionais 5,5 milhões de toneladas de CO2eq por meio da conversão direta de biomassa de resíduos em energia em processos de incineração ou coprocessamento. Estes desempenhos podem ser alcançados apesar do relativamente baixo fator da rede de 268 CO2/MWh, que tem um efeito particularmente negativo no desempenho de reciclagem e de serviços relacionados a energia em comparação com a Alemanha (Tabela 1). Mas como até agora apenas as principais frações dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) foram analisadas nesta estimativa, os resultados devem ser considerados como um limiar mais baixo, tal como a taxa conservadora de reciclagem de 50%. As modernas plantas de triagem, tal como as que possuem NIR (Espectrômetro de Infravermelho ou separadores ópticos) alcançam taxas de reciclagem superior a 80%.


Tabela 1 – Potencial de redução de emissões de GEE no Brasil
através de medidas da gestão de resíduos sólidos e lodos de esgoto

GEE
Resíduos / Lodos quant. no Brasil
GEE Emissões de aterros
GHG
economia por reciclagem3
GHG economia por recuperação de energia
(biomassa)
Total
Potencial

(milhões t)
(milhões t CO2eq)
RSD
76,4
42,2
6,29 plásticos
3,54 metais
5,45 papel papelão
5,5
63
Lodos de esgoto
0,22 ms1
2,2 ms2
0,8
8,9
?
0,25
2,46
1,1
11,4
Notas: 1 hoje, 2 em 2030, 3 pela economia de energia.

Fonte: Pereira, 2017.

    Atualmente, a quantidade de RSU no Brasil aumenta cerca de 3,5% por ano e, através da expansão contínua da coleta e tratamento de águas residuais, o potencial de emissões de GEE continuará a se multiplicar devido a destinação final em aterros sanitários. Consequentemente, o setor de aterramento de resíduos não tratados apresenta o maior potencial de redução. Pelo fato de aterros com altos padrões ambientais normalmente somente capturarem uma quota de 30% de gases de aterros, mas produzirem emissões líquidas e gasosas por pelo menos 50 anos, as medidas da gestão sustentável de resíduos sólidos não devem ser focadas apenas nos aterros; mas, também, na reciclagem, recuperação energética, e tratamento antes de aterramento, uma vez que estes são fundamentais para a proteção climática. Além da prevenção de emissões de GEE provenientes dos aterros, uma quantidade consideravelmente alta de créditos de CO2 pode ser gerada a partir de reciclagem e recuperação energética de resíduos e componentes de biomassa.

    3 GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS E DESAFIOS MUNDIAIS

    Implementar uma gestão de resíduos sólidos transpassa a discussão no espaço acadêmico tendo em vista que uma gestão sustentável vai além de avaliações tecnológicas e abarca não apenas conhecimento, mas também vontades oriundas de diversos setores deste mercado tais como administração pública, setor privado de maquinários, tecnologias e operação, agências ambientais e de financiamentos, sociedade e ainda, mercados complementares como os de escoamento para subprodutos.

    Esta ampla diversidade de atores, por vezes diretos e outras de atuação periférica, demonstra que a abordagem que subsidia uma gestão sustentável é necessariamente multidisciplinar e precisa avaliar, mobilizar, estimular, incentivar, e desta forma, demonstrar que não basta discutir questões de logística e, sim, compreender o sistema como um todo, até porque suas consequências de ordem ambiental refletem um impacto global que ultrapassa as nossas fronteiras.

    3.1 GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

    A quantidade de resíduos sólidos produzidos pela população não está apenas relacionada ao nível de riqueza refletido na capacidade econômica de consumo, mas também aos valores e costumes de vida, determinando o grau de disposição para o consumo. A fim de reduzir os impactos de disposição inadequada, todos os esforços devem ser concentrados na não produção de resíduos, antes de preocupações sobre a sua destinação. As justificativas para a gestão sustentável dos resíduos são:
    • Incremento do PIB mundial, resultando em maior consumo e maior demanda por alimentos e recursos primários, por exemplo combustíveis fósseis;
    • Incremento nas emissões de gases de efeito estufa (GEE);
    • Aterros contribuem significativamente: representam 8 a 12% das emissões antrópicas;
    • Incremento no preço dos recursos secundários, da energia e aumento da demanda por composto são motivações para valorização de resíduos, e;
    • Matriz energética dependente da variação climática, aumento da demanda por energia renovável: biogás, CDR e biomassa.
    Com o objetivo de mudar as práticas tradicionais é necessário abrir uma discussão multidisciplinar, integrando diversos segmentos do mercado, para permitir a concepção de novas práticas para a implementação de uma gestão sustentável de RSU. As discussões abrangem tecnologias tais como fermentação, compostagem, reciclagem e recuperação energética até o fornecimento de informações. Além disso, é recomendado introduzir a gestão sustentável de RSU e engenharia no contexto acadêmico-científico bem como aspectos relevantes para a implementação de projetos como financiamento, licenciamento ambiental, monitoramento, e outros aspectos mercadológicos.

    3.2 DESCRIÇÃO DO PROJETO IKI

    IKI é um acrônimo para Internationale Klima Initiative (Iniciativa Internacional do Clima). Desde a edição da PNRS, o mercado brasileiro realizou várias parcerias e cooperações com atores internacionais, tais como a Universidade Técnica de Braunschweig (TUBS), GIZ, DAAD e o banco KfW, entre outras instituições. As parcerias visam a melhoria da gestão de RSU no Brasil através da promoção e desenvolvimento de capacidade técnica em workshops, congressos internacionais, atividades de consultoria e treinamentos, por exemplo o projeto i-NoPa, financiado pelo DAAD, com o título “Capacitação e pesquisa fundamental, a fim de gerar metodologia de análise para o desenvolvimento de projeto para uma instalação de Tratamento Mecânico Biológico (TMB) com fermentação integrada na cidade de Jundiaí” (FRICKE; CAMPOS; PEREIRA; LEITE, 2015). Esta intervenção despertou grande interesse e aumentou a representatividade da gestão de RSU na cadeia econômica brasileira, uma vez que várias linhas de ações foram promovidas, tais como equalização de tecnologias ambientais, sistemas de gestão integrada e sustentável, inclusão social, estudos de viabilidade, transferência de conhecimento, assim como a formação de um mercado para subprodutos como composto e recicláveis, e energias alternativas como biogás e combustível derivado de resíduo (CDR). No entanto, não houve discussões profundas sobre a repercussão entre a proteção do clima e gestão de RSU.

    Conforme dados oficiais do Ministério de Ciência e Tecnologia, o setor de resíduos no Brasil produziu em 2016 aproximadamente 32 milhões de toneladas de CO2eq com uma tendência crescente, enquanto estimativas da TU Braunschweig (TUBS) demonstraram um potencial de redução de pelo menos 58 milhões de toneladas de CO2eq através de medidas mais sustentáveis na gestão de resíduos sólidos. Com o intuito de atender às necessidades para a integração da gestão de resíduos sólidos e proteção climática, as instituições alemãs GIZ e TUBS elaboraram o projeto “Tecnologias ambientalmente adequadas e desenvolvimento de capacidades para a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) no Brasil”. Este projeto surgiu no âmbito da IKI promovida pelo “Ministério Federal do Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Construção e Segurança Nuclear (BMUB)” e já aprovado pelos parceiros como o Ministério Brasileiro do Meio Ambiente e de Cidades.

    A respeito de resíduos e poluição, a situação atual no Brasil encontra-se em um estado crítico. Muitos municípios ainda contam com inúmeros locais contaminados e alto grau de poluição da água em decorrência da disposição irregular dos resíduos. Até 2017, apenas uma parcela de 58% dos municípios brasileiros conseguiu reabilitar os lixões em aterros sanitários ou construiu novos aterros sanitários, mas sem qualquer tratamento prévio dos resíduos. Isto significa que aproximadamente 42% das 80 milhões toneladas anuais de RSU ainda são descartadas inadequadamente, representando a construção de aterros sanitários como o desafio principal a nível municipal e estadual. Para alcançar as metas e utilizar o potencial do setor brasileiro de resíduos para a proteção climática, aspectos como tratamento de resíduos antes da disposição final, aumento das taxas de reciclagem, adaptação e melhoria do enquadramento financeiro municipal e desenvolvimento de capacidades nos ministérios, bancos públicos e privados e particularmente nos municípios, devem ser abordados.

    Nos últimos anos, o governo brasileiro promoveu a construção de novos aterros por meio de 100% de subvenção em cidades subdesenvolvidas e, ao fazê-lo, simultaneamente impediu medidas com maiores objetivos da gestão de resíduos em outras cidades. Apenas em alguns estados, agências ambientais aprovam novos aterros somente com respectivos planos de tratamento de resíduos. Antigamente, mesmo plantas simples de triagem ou de compostagem não eram operadas de forma eficiente, e, portanto, foram fechadas. Hoje, devido a esses fatores, muitos municípios hesitam em relação à introdução de novas tecnologias para o tratamento de RSU.

    Com o objetivo de apoiar os municípios que estão dispostos a investir em gestão e tecnologias de tratamento de RSU e para mitigar as emissões de GEE, o Ministério das Cidades e o Ministério do Meio Ambiente apresentaram uma proposta de projeto para o IKI de 2016 do Ministério Alemão do Meio Ambiente (BMUB). O projeto foi aprovado pela comissão de seleção conjunta Brasil-Alemanha em 2015 durante a visita da chanceler Angela Merkel e será implementado pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) e a TUBS no período de abril de 2017 até março de 2021.

    O projeto visa melhorar as condições para o aproveitamento dos potenciais do setor de resíduos para a proteção do clima e por isso, critérios relevantes para o clima devem ser integrados no regulamento dos ministérios. Além disso, os funcionários dos municípios e das empresas serão treinados e embasamento para as decisões dos municípios será fornecido (Capacity Development) para a introdução da gestão sustentável de resíduos sólidos. Neste projeto, todos os principais atores, tais como representantes de municípios, associações, cooperativas e empresas públicas e privadas serão integrados para conseguir uma colaboração intensiva. Além disso, através da integração dos aspectos relevantes ao clima nas diretrizes da PNRS, será possível quantificar as metas de redução específicas para o setor de resíduos. Por outro lado, é importante que uma política nacional de resíduos não apenas inclua medidas de curto prazo, mas também medidas de médio e longo prazos que possam fortalecer o papel de liderança do Brasil na gestão sustentável de resíduos e ainda em respeito ao clima na América Latina. Numa perspectiva social e econômica, o projeto impulsiona o desenvolvimento de uma economia circular integrada no âmbito de modernas tecnologias e estratégias de tratamento de resíduos, e também apoia um melhor desenvolvimento da economia brasileira para uma Economia Verde e Empregos Verdes. A expansão da coleta seletiva, a separação e o tratamento parcialmente automatizado de RSU permitem uma melhor qualidade e maior quantidade das diferentes frações disponíveis, indiretamente envolvendo aproximadamente 500.000 catadores informais, os quais serão integrados nos sistemas da coleta e reciclagem pelos municípios.

    Em relação aos aspectos ecológicos, é obvio que a reciclagem e a recuperação energética de resíduos possibilitam uma redução significativa do consumo de energia fóssil. Ao incentivar a introdução da coleta seletiva, a estabilização (compostagem e fermentação) e a utilização das frações orgânicas como fertilizante e gerador de húmus, a qualidade dos pobres solos e as águas subterrâneas no Brasil será melhorada, impactos negativos dos aterros insuficientemente controlados serão minimizados e o consumo de terra para a construção de novos aterros será reduzido devido ao aumento do volume e vida útil dos aterros existentes.

    4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

    Implementar uma gestão de resíduos diferenciada onde há priorização da proteção climática e preservação ambiental é repleta de desafios. Desafios estes já confrontados por uma série de países gerando frutos de sucesso – por exemplo, os países da comunidade europeia –, mas que já fazem parte da política pública de outras regiões como Ásia, África e América Latina.

    Os resultados apresentados neste artigo corroboram para a necessidade de entrelaçar os diversos atores como poder público, setor privado em suas diversas origens e sociedade, perpassam discussões financeiras e se manifestam como fator mais importante para garantir a continuidade dos novos processos a serem implementados.

    4.1 PANORAMA DE GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

    Como consequência do crescimento demográfico significativo de mais de 11,9% e um aumento do PIB per capita de 24,4% durante o período de 2003-2014, a geração de resíduos aumentou em 29,6% para cerca de 80 milhões de toneladas por ano no Brasil. Atualmente, 58% dos RSU são descartados de forma adequada em aterros sanitários, enquanto a taxa de reciclagem alcança apenas 3-4%. A situação provoca grande estresse no meio ambiente, resultando em grandes áreas contaminadas, contaminação de água, movimentação de massa e uma contribuição de 8 a 12% das emissões de GEE, além dos impactos negativos como a perda de materiais e recursos secundários.

    A prestação dos serviços da coleta de resíduos é realizada em 90,8% das cidades brasileiras e aproximadamente 69% das cidades implementaram a coleta seletiva dos RSU visando incentivar as atividades de reciclagem. A reciclagem nacional da construção civil é realizada em 158 municípios e alcança 7%. O índice de compostagem atingiu uma taxa de desvio de apenas 1,6% em 222 municípios, embora a fração orgânica nos resíduos domésticos alcance em média mais de 50%. Apesar da mudança da atitude política em relação à gestão de resíduos nos últimos anos, o mercado brasileiro demonstra uma reação lenta, por exemplo, durante o período de 2010-2014 apenas dez contratos relativos à recuperação de resíduos foram assinados. Além do mais, 47% dos municípios se deparam com altos custos para os serviços da limpeza pública (~ 8 bilhões €/a ou ~35 €/hab*a), os quais deveriam ser financiados por taxas de resíduos, que atualmente cobrem apenas 40% dos custos totais dos serviços prestados pelos municípios. A Tabela 2 retrata mais informações sobre a gestão de RSU no Brasil em 2015.

    Tabela 2 – Panorama de resíduos sólidos no Brasil


    Panorama de resíduos sólidos no Brasil – 2015
    Geração de resíduos sólidos
    ~ 80 milhões t
    Geração por habitante
    0,97 kg/hab/d
    Disposição final em aterros sanitários
    58,7%
    Vagas – operadores privados (200 empresas)
    353,328

    Fonte: ABRELPE, 2016.

    A PNRS não só definiu como prática sustentável a geração de energia a partir de resíduos, mas também delimitou a responsabilidade compartilhada de produtos secundários, análise de ciclo de vida, logística reversa. O plano ainda como minuta firmou metas específicas para a redução de materiais recicláveis e úmidos aterrados nos aterros sanitários, como é apresentado na Tabela 3.

    Tabela 3 – Metas de resíduos do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (minuta)

    Gestão de RSU
    Metas de redução
    4 anos
    [%]
    8 anos
    [%]
    12 anos
    [%]
    Resíduo seco
    22 – 37
    28 – 42
    34 – 50
    Resíduo úmido
    19 – 35
    28 – 45
    38 – 55


    Juntamente com a PNRS novas oportunidades surgiram para a gestão de resíduos, bem como efeitos positivos secundários para os principais atores do mercado brasileiro, por exemplo, pesquisas de mercado para uma infraestrutura adequada, tecnologias e outros sistemas eficazes incluindo aspectos técnico-operacionais. Particularmente estes últimos incluem tecnologias para implementação e monitoramento de futuras plantas de tratamento de resíduos. Assim, são fomentadas parcerias entre operadores nacionais e fornecedores de tecnologias estrangeiros e também com novos atores nas indústrias de cimento, celulose e energia.

    Tabela 4 – Situação de mercado para recursos secundários

    Recursos secundários
    Situação de mercado
    Comentários
    Recicláveis
    Preço médio 200 €/t
    Baseado em 370 cooperativas e setor informal, plantas de pequena escala, 150 t/m
    Composto
    30-50 €/t para resíduo reciclável
    Produção atual 6 milhões t/a. mercado estável com potencial de crescimento
    Atualmente sem limitações para resíduos mistos, mas nova lei para proibição de composto a partir de resíduos mistos está em preparação.
    CDR
    Preço médio 20 €/t
    Indústria cimenteira como parceiro de negócios, contratos de longo prazo.
    Estratégia: 30% de substituição de energia em cinco anos.
    Biogás
    Preço médio 55 €/MW
    Tendência volátil, alto potencial.

    Fonte: Pereira, 2015.

    O mercado para recursos secundários já existe no Brasil, ainda que de forma singela, como a Tabela 4 apresentou. Com base em cooperativas e no grande setor informal, os preços de recicláveis variam em média de 150-200 €/t, enquanto que o mercado de composto estável demonstra um potencial crescente com uma produção anual de 6 milhões de toneladas por ano, tão importante como a produção de biogás.

    Para resumir, avaliando o mercado brasileiro nos últimos anos podemos afirmar que há uma tendência à valorização dos resíduos que demandam novas tecnologias ainda não disponíveis no Brasil e, portanto, devem ser importadas da Alemanha, França, Portugal e Espanha. Durante os primeiros anos da edição da PNRS, a demanda por plantas de tratamento mecânico-biológico com biodigestão integrada foi maior que a atual. Atualmente há grandes discussões sobre CDR e plantas de triagem de recicláveis automatizadas. Avaliando nossa fragilidade tecnológica temos como necessário o fomento a nacionalização das plantas de tratamento, resultando em flexibilidade comercial e melhor possibilidade de financiamento.

    Em decorrência do exposto tivemos nos últimos seis anos diversas concessões contratadas com valores expressivos, até quatro bilhões de dólares para cidades com população de mais de 800.000 habitantes. Ainda, há linhas de financiamento com taxas atrativas, aproximadamente 6,5-12% ao ano.

    Perpassando discussões contratuais e tecnológicas temos que a gestão de resíduos não somente envolve uma boa infraestrutura; mas, também, políticas públicas auxiliares. Por este fato, é fundamental que potenciais tecnologias sejam consolidadas para obterem licenciamento ambiental. Consequentemente faz-se necessário desenvolver o mercado para recursos secundários no Brasil.

    Durante os primeiros dois anos após a publicação das normas legais, foram assinados vários contratos em modalidades de parceria público-privada (PPP), que contemplam tecnologias extremamente complexas como plantas de incineração e fermentação, bem como outras tecnologias como triagem de materiais recicláveis e sistemas extensivos de compostagem. No entanto, com as análises econômicas realizadas e os preços de energia muito inferiores ao esperado, foi identificada uma mudança no perfil de aquisição do mercado, priorizando tecnologias mais simplistas, como a reciclagem de materiais com baixa automação.

    Atualmente, o Brasil tem uma nova orientação do mercado, onde se evidencia a implantação de plantas de tratamento mecânico e biológico (TMB), com ênfase na produção de CDR para suprir as novas demandas da indústria cimenteira. Neste cenário, um setor baseado na busca pela excelência operacional foi desenvolvido, ditando as novas regras para uma indústria acostumada a práticas de baixa complexidade como a coleta e disposição em aterro de resíduos sólidos. Esta parceria representa uma mudança de paradigma, não só por introduzir uma nova característica ao mercado dos recursos secundários, mas basicamente para garantir o profissionalismo de um mercado acostumado a ser altamente rentável a curto prazo. Mesmo ignorando essas discussões, há uma participação de atores periféricos, tais como promotores públicos, bancos de financiamento, agências ambientais e da comunidade, forçando o mercado a oferecer seus serviços de acordo com os regulamentos da lei.

    4.2 MERCADO ATUAL DE RECURSOS SECUNDÁRIOS

    O mercado sustentável, do qual a gestão de resíduos faz parte, tem uma perspectiva positiva nos próximos anos, principalmente por causa da escala do potencial de recuperação de resíduos promovida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. O entendimento estabelecido foi de que a eliminação adequada de resíduos não se limita somente ao descarte de resíduos na natureza, definindo práticas que vão desde a implementação de sistemas de recuperação de resíduos até o aterramento dos rejeitos. A maioria dos resíduos é orgânica e deve ser compostada, enquanto a fração dos recicláveis deve ser removida na fonte através da coleta seletiva ou via uma separação em uma planta de TMB. O marco legal no nível de competência federal, estadual e municipal fixará as porcentagens para a redução dos resíduos para aterramento.

    4.3 TENDÊNCIAS DE GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS INTERNACIONAL

    O mercado global de resíduos teve um avanço extremo nos últimos dez anos, onde a introdução de aspectos relacionados à proteção do clima e à conservação de recursos tem reforçado as políticas públicas. A política passou a substituir o foco em aterros sanitários por plantas de valorização de resíduos, reforçando o entendimento de que a recuperação de resíduos pode ser uma ferramenta não só para a mitigação de emissões, mas também como indústria de geração de recursos secundários. Neste contexto, é possível observar a adaptação contínua do mercado, seguida pela otimização de práticas existentes e integração de novas, conforme indicado nas tendências transcritas a seguir:
    • Incremento dos valores de mercado para os recursos secundários;
    • Aumento da coleta seletiva (redução do poder calorífico devido ao aumento de reciclagem, aumento da quantidade de papelão de 5-7%/ano, compras on-line vão influenciar a coleta seletiva baseado em um maior volume e redução de jornal impresso);
    • Reciclagem de materiais (proibição de artigos plásticos, por exemplo, sacolas na Itália; aumento de 3-4%/ano de PET e consequente redução de vidro. Redução de embalagens metálicas de 1-3%/ano);
    • Redução de incineração convencional a favor de utilização de CDR; em vinte anos, 70% de redução de atividades de incineração tradicional (substituição de 16 milhões de toneladas de capacidade com resíduos de outros países);
    • Redução de compostagem a favor de digestão anaeróbia, basicamente tecnologias secas;
    • Redução de TMB antes de aterramento a favor de CDR e combustíveis;
    • Proibição de aterramento de resíduos não tratados;
    • Remediação de aterros através de valorização de resíduos aterrados;
    • Biodegradáveis usados como biomassa, proibição de incineração de lodos com outra biomassa (como carvão) a fim de não perder fosfato e redução de emissões orgânicas;
    • Valorização de resíduos verdes não só via compostagem, mas via recuperação energética em usinas pequenas e descentralizadas e caldeiras.

    5 CONCLUSÕES

    A Política Nacional de Resíduos Sólidos levou a gestão de RSU a outro nível, extrapolando discussões voltadas exclusivamente para formas de disposição final em aterros. O novo arcabouço legal incorpora a consciência de riqueza e as possibilidades potenciais na gestão de RSU e também revela os erros e omissões acumulados nos últimos trinta anos.

    O novo projeto IKI fornecerá conhecimento abrangente sobre o novo mercado no Brasil e construirá uma inter-relação com o setor de resíduos com a Alemanha, estabelecendo um intercâmbio com instituições de referência para a promoção de melhores práticas. Desta forma, a proteção climática e a preservação de recursos naturais serão garantidas e um intercâmbio contínuo de experiência será fornecido através de educação tecnológica e profissional. Este apoio e divulgação de conhecimento teórico e prático da gestão alemã irá incorporar ao Brasil uma visão inovadora e transformar o sistema atual em uma realidade eficiente e contínua que atenda às premissas da PNRS e, também, as tendências globais de proteção do clima. Estes esforços vão provocar uma mudança cultural, que irá proteger os recursos naturais e o clima, garantindo, assim, um futuro melhor para as próximas gerações.

    6 AGRADECIMENTOS

    Os autores agradecem o Ministério Federal de Meio Ambiente, Conservação de Natureza, Construção e Segurança Nuclear (BMUB) para a concessão do Projeto IKI, e o Ministério Alemão de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) através do Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão (DAAD) pelo suporte durante a participação no Seminário Regional em Recife, Brasil, Setembro 2016.

    REFERÊNCIAS

    ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil – 2015. São Paulo: ABRELPE, 2016. Disponível em: <http://www.abrelpe.org.br/Panorama/panorama2015.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2017.

    BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm>. Acesso em: 31 maio 2015.

    FEDERAL ENVIRONMENT AGENCY (UBA). Submission under the United Nations Framework Convention on Climate Change and the Kyoto Protocol 2016 National Inventory Report for the German Greenhouse Gas Inventory 1990 – 2014. Federal Environment Agency, Dessau (GER) 2016.

    FRICKE, Klaus; CAMPOS, Tácio Mauro Pereira de; PEREIRA, Christiane; LEITE, Aguinaldo. Capacitação e pesquisa fundamental, a fim de gerar metodologia de análise para o desenvolvimento de projeto para uma instalação de Tratamento Mecânico Biológico (TMB) com fermentação integrada na cidade de Jundiaí. Jundiaí, SP: i-NoPa – Programa Novas Parcerias Integradas, 2015. Disponível em: <http://gsrsu.blogspot.com.br/p/projeto-i-nopa.html>. Acesso em: 08 mar. 2017.

    ÖKO-INSTITUT AND IFEU. Climate protection potential in the waste management sector. Study Federal Environment Agency, 61/2010 Dessau (GER), 2010.

    PEREIRA, Christiane Apresentação técnica ministrada em aula, Technische Universität Braunschweig. In: Curso de Mestrado Profissional em Engenharia Urbana na PUC-Rio com Dupla Titulação. Rio de Janeiro: PUC, 2015.

    PEREIRA, Christiane Apresentação técnica ministrada em aula, Technische Universität Braunschweig. In: Curso de Mestrado Profissional em Engenharia Urbana na PUC-Rio com Dupla Titulação. Rio de Janeiro: PUC, 2017.

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    Como citar [ABNT NBR 6023:2002]:

    PEREIRA, Christiane; FRICKE, Klaus; GIERSDORF, Jens; KASPER, Olga. Proteção Climática através de uma Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos. In: FRICKE, Klaus; PEREIRA, Christiane; LEITE, Aguinaldo; BAGNATI, Marius. (Coords.). Gestão sustentável de resíduos sólidos urbanos: transferência de experiência entre a Alemanha e o Brasil. Braunschweig: Technische Universität Braunschweig, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/BE246I>. Acesso em: .
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